UM NOVO ENSINO DE MATEMÁTICA
As condições
Tendo em vista a análise precedente,
julgamos que o atual ensino de Matemática contribuiu pouco para a formação do
educando (e acrescentaríamos que nem prepara muito bem para os exames
vestibulares renovados) e acreditamos ser necessário buscar os objetivos
expressos nos PCNEM.
As bases legais e ideológicas deste ensino já estão dadas (LDB/96, DCNEM,
PCNEM). Convém, então, considerar elementos específicos: conteúdos, enfoques,
métodos pedagógicos. É isso que nos propomos a fazer, tentando sugerir um
currículo prioritário para o ensino médio de Matemática, respeitando, porém,
certas condições de contorno que convém explicitar:
i) nosso esboço curricular
buscará corrigir e melhorar o ensino atual, evitando tanto quanto possível
grandes descontinuidades e rupturas (por exemplo, nada de propor extinção de
disciplinas ou drásticas mudanças de conteúdos), que, no momento, trariam mais
confusão que progresso;
ii) acreditamos que as bases de uma
nova proposta deveriam ser aceitáveis em geral, tanto para a escola noturna com
três aulas semanais, quanto para a escola matutina com sete aulas semanais.
A segunda condição necessita esclarecimentos. Com ela, não pretendemos o
impossível, isto é, que escolas com cargas horárias muito diversas trabalhem os
mesmos conteúdos. Na verdade, supomos que alguma diversidade no aprendizado da
Matemática é inevitável e, mais ainda, desejável por que nem todos os educandos
têm as mesmas aspirações. Destacamos que as DCNEM previram a autonomia de cada
escola, cuja proposta pedagógica ocupará 25% do tempo escolar de maneira mais
conveniente. Portanto, o que chamamos de "proposta aceitável"
envolveria um elenco de conteúdos prioritários de aprofundamento variável de
acordo com a escola. Em alguns casos, ele se constituiria no programa total da
disciplina por que, mesmo num enfoque pouco profundo, aborda os conhecimento
necessários ao cidadão educado, trabalha as competências desejadas, além de
permitir ao educando ter alguma idéia sobre a natureza da Matemática. Para
outras escolas, a seleção prioritária seria apenas uma base para estudos mais
específicos e avançados da disciplina.
Além dessas condições, vamos ter presente que o ensino médio é etapa final de
uma formação básica e, portanto, geral, não especializada. O aspecto
"generalista" evita a abordagem de minúcias técnicas da disciplina; o
aspecto "terminal", leva a dar atenção àqueles que encerram sua
formação matemática no âmbito escolar, os quais devem ter, ao menos, a
oportunidade de discutir o significado do saber que os ocupou durante onze anos
letivos e qual sua rela importância.
Conteúdos e enfoques
Uma seleção de conteúdos é necessária porque, tendo em vista os objetivos,
alguns conteúdos são mais adequados que outros. (Não é claro, por exemplo, que
a teoria dos determinantes não pode ter a mesma prioridade que as noções de
estatística?) O que talvez não seja tão evidente para nós, professores, porque
estamos acostumados há muito tempo com os mesmos programas, é a diversidade de
escolhas existentes e a possibilidade de alterar a atual seleção. Sem
essa percepção fica difícil aceitar mudanças.
De fato, há muitos tópicos matemáticos que podem ser classificados como
adequados ao nível médio de ensino, mais do que seria possível ensinar mesmo em
cursos mais extensos que os nossos. Quando examinamos sistemas escolares de
outros países, verificamos que em cada caso foi feita uma escolha particular,
que supostamente deve atender às necessidades locais. Por exemplo, os alunos
franceses devem aprender derivação, integração e correlação estatística, mas
não se preocupam com determinantes nem estudam quase nada de geometria espacial
que aparece em nossos currículos. Já nos Estados Unidos a programação é extensa,
parece-se com a nossa, mas boa parte dos tópicos faz parte de cursos optativos.
A maioria dos estudantes norte-americanos acaba estudando bem menos matemática,
em comparação aos nossos.
Admitindo que há um amplo leque de conteúdos e que temos a possibilidade de
escolha, podemos pensar na seleção. Segundo o PCNEM o critério central para
isso "é o da contextualização e da interdisciplinaridade, ou seja, é o
potencial de um tema permitir conexões entre diversos conceitos matemáticos e
entre diferentes formas de pensamento matemático, ou, ainda, a relevância
cultural do tema, tanto no que diz respeito a suas aplicações dentro ou fora da
Matemática, como a sua importância histórica dentro do desenvolvimento da
própria ciência".
No entanto, não basta escolher conteúdos. Faz-se necessário determinar com que
enfoque ele será trabalhado em sala de aula. O enfoque engloba a forma de
abordagem e tratamento de cada assunto, bem como as ênfases que serão
estabelecidas em seu estudo. Vamos esclarecer um pouco mais, considerando o
estudo inicial de funções que ocorre no ensino médio.
Um enfoque possível desse conteúdo, adotado pela maioria dos livros didáticos,
consiste em apresentar as funções como uma relação particular entre elementos
de dois conjuntos, que é ilustrada de maneira típica por diagramas com
flechinhas. Seguem-se definições de conceitos como domínio, contra-domínio,
imagem (e, às vezes, funções crescentes, pares, etc.) e exercícios pedindo que
se encontre, digamos, a imagem, em funções abstratas, que não estão ligadas a
nenhuma aplicação. Depois, passa-se ao estudo de funções específicas, começando
pelas funções (polinomiais) do 1 e do 2 graus.
Nesse tratamento, enfatizam-se problemas
cujo contexto é exclusivamente matemático, tais como determinação de domínios e
imagens, estudo de variação do sinal da função, etc., para os quais
estabelecem-se procedimentos de resolução mais ou menos algorítmicos. Pode
surgir alguns problemas "de aplicação", como a determinação da área
máxima de um retângulo de perímetro dado, mas eles não constituem a parte
fundamental do aprendizado.
Um outro enfoque do mesmo conteúdo as funções como maneira de exprimir uma
relação entre grandezas variáveis. Idéias como domínio, imagem e contra-domínio
são apresentadas com brevidade, somente em situações significativas, e parte-se
para o estudo de variações específicas envolvendo grandezas do mundo físico,
econômico, etc. As funções estudadas são as mesmas que ocorrem no primeiro
enfoque, mas a ênfase é posta no tipo de variação: linear, quadrática,
exponencial, etc.
Neste caso, os problemas mais importantes têm o objetivo de encontrar modelos
matemáticos para certas variações, expressá-la algebricamente, calcular máximos
e mínimos, etc.
Usando a conceituação da Didática da Matemática dos franceses, no primeiro
enfoque, as funções são objeto de estudo; no segundo, elas são ferramentas para
estudar a realidade. Os objetos matemáticos podem ser sempre estudados num
contexto matemático, enquanto que as ferramentas precisam ter como contexto as
várias ciências.
Supomos que os parágrafos anteriores esclareçam porque o enfoque dos conteúdos
contribui para definir o caráter de um de Matemática. No exemplo dado, parece
claro que cada um dos enfoques descritos tem sua importância, mas, em relação
ao Ensino Médio, acreditamos que o segundo enfoque esteja mais de acordo com as
propostas do PCNEM, seja mais significativo para os estudantes, tendo,
portanto, maior potencial educativo.